quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Pós-modernismo: amigo ou inimigo?

Estava a preparar uma série de estudos sobre o pós-modernismo e encontrei este extraordinário texto que, com a devida vénia, passo a publicar. O autor é S.Michael Craven, presidente do Center for Christ & Cultura, sediado em Dallas, EUA, que se dedica a equipar os cristãos com uma abordagem inteligente e completa às questões culturais para demonstrar a importância duma vida cristã integral. O texto está em português, do Brasil. 

Há um grande pavor e, devo acrescentar, confusão sobre a natureza e o impacto do pós-modernismo. Muitos Cristãos assumem imediatamente que todas as coisas pós-modernas são a fonte de relativismo moral pernicioso e que o pós-modernismo irá de certo destruir toda a verdade.

Eu, frequentemente, escuto os líderes evangélicos falarem da "ameaça do pós-modernismo" ou os "desafios de viver na era pós-moderna," como se alguma nova força malévola estivesse contagiando a civilização ocidental. Em suma, a maioria dos cristãos tendem a assumir que o pós-modernismo é completamente oposto à fé cristã. Mas eu diria que esta teoria é baseada em uma noção popular e desinformada da pós-modernidade do que em uma análise crítica que pretende realmente compreender as complexidades da cultura e do saber humano.

Não se engane, há de fato uma força maléfica que tomou conta da civilização ocidental, a força que tem minado a autêntica fé cristã. Eu estou falando sobre o modernismo. O pós-modernismo oferece o primeiro desafio sério para o modernismo, desde seu surgimento a partir do Iluminismo do século XVIII, assim, o pós-modernismo justifica uma consideração séria como um aliado à fé cristã.

Foi a ênfase iluminista na razão autônoma que inaugurou a era moderna e com ela uma rejeição da revelação divina como uma fonte legítima da verdade. Professora de Inglês e de Estudos de Cinema, Crystal L. Downing, do Messiah College, salienta em seu livro, Como o Pós-Modernismo Serve a (Minha) Fé: "A verdade para o pensador moderno é objetivamente percebido pelo cérebro humano sozinho. A razão começa a prevalecer sobre a revelação, a análise racional começa a substituir a autoridade da Igreja...

Enquanto o cristão pré-moderno diz que a crença precede a compreensão, a era moderna começou a mudar a idéia, dizendo: 'Eu preciso compreender para crer." A professora Downing acrescenta que, “uma vez que a razão se transforma em fonte preeminente do conhecimento, esta corrói a confiança na fé, que é "a certeza das coisas que se esperam, a convicção das coisas que não se vêem". Isso não quer dizer que a fé cristã não é razoável ou que os cristãos não empregam a razão.

Certamente que não. É, simplesmente, para dizer que os modernistas "iluminados" tentam separar a fé e a razão em duas categorias separadas e distintas de conhecimento, uma armadilha que muitos cristãos têm caído sem querer. O Teólogo Kevin Vanhoozer clarifica a cooperação da razão e da fé assim: "Eu acredito na razão. A razão é um processo cognitivo designado por Deus de inferência e crítica, uma disciplina que forma hábitos virtuosos da mente. Eu raciocino na crença. Mandado racional, inferências, análise críticas não ocorrem em um vácuo, mas num quadro fiduciário, um quadro de crença."

Por outro lado, o modernismo (ou Iluminista) elevou o ser humano à razão do "objeto supremo de devoção humana... adorado em nome do progresso," segundo a Dorothy L. Sayers. O modernista, falsamente, acredita que a sua razão existe em um objetivo e, portanto, um vácuo perfeito e independente de quaisquer influências externas. Como tal, a epistemologia modernista ensina que toda a verdade é exclusiva da compreensão da razão humana e, portanto, nenhum conhecimento, que não venha por meio de fatos empíricos processados pela “perfeita” razão humana é insuficiente.

Mas, na verdade, todos nós possuímos certos pressupostos baseados em nossas experiências contextuais que inevitavelmente moldam a nossa interpretação dos fatos. Nossos pressupostos, muitas vezes, contam com a razão só até certo ponto a partir do qual todos nós empregamos uma forma de fé. Assim, só a razão humana é limitada.

Assim, de acordo com o pós-moderno, tanto o cristão como o ateu mantêm que a crença invariavelmente se apóia na fé. Isso é verdade. O pós-modernismo tem o potencial de restaurar a fé (revelação) como uma fonte legítima de conhecimento. O projeto do Iluminismo restringe o conhecimento a fatos cientificamente comprovados. Esta condição, naturalmente, iria inibir a recepção do evangelho e assim a sua destruição seria útil para a Igreja.

Embora possam negá-lo, os modernistas pressupõem certas "verdades," pelas quais eles também, se afastam da razão eventualmente, utilizando a fé em seus pressupostos. Isto é precisamente o que o pós-modernismo desafia: a crença na razão autônoma além da fé, que finalmente dá origem ao mito do indivíduo autônomo. O "ser autônomo" levado à sua conclusão lógica cria seu próprio e único significado, define a sua própria moral e, em seguida, tenta vivê-la na sua melhor capacidade.

Em outras palavras, a vida é toda sobre você, seus sentimentos e desejos. Você e só você continua a ser a autoridade máxima em sua própria vida. Esta é uma noção puramente modernista que tem contaminado a Igreja contemporânea de tantas formas que não há como contar. Acho que isso poderia explicar, em parte, o crescimento da mega-igreja americana em um momento quando o número total de adeptos ao Cristianismo está em declínio. Pequenas igrejas estão se fechando em um ritmo alarmante no país e ainda assim mega-igrejas estão sendo construídas a cada dia.

É claro que isso faz sentido, se muitos cristãos acreditam no ser autônomo. A mega-igreja oferece uma experiência dinâmica de Igreja, muitas vezes, dirigida para entreter e animar os participantes. A ênfase pode inconscientemente se voltar para o participante, ao invés da adoração a Jesus Cristo. Há menos responsabilização direta e poucas pessoas são realmente conhecidas pelo pastor. As pessoas são capazes de se "esconder" no meio da multidão e a disciplina da Igreja, raramente, é ouvida, a responsabilidade se torna menos rigorosa e a pessoa é mais capaz de manter sua autonomia. Nós norte-americanos, especialmente, gostamos desse jeito.

No entanto, como meu amigo Dr. John Armstrong ressalta: "Nós evangélicos temos uma teologia de ‘baixa igreja’, muitas vezes, por causa da nossa reação contra o Catolicismo. Precisamos recuperar tanto uma Cristologia elevada e uma maior eclesiologia, ou doutrina da Igreja. O Novo Testamento está repleto com a ênfase que Deus nos salva como parte de um grupo de pessoas, uma família e uma comunidade. Nós não somos soldados isolados quando oramos. Nós somos membros uns dos outros."

Eu não estou dizendo que o pós-modernismo é a resposta para tudo o que aflige a Igreja contemporânea. Mas, como John argumenta (e eu concordo), "ele oferece um novo desafio e um novo momento kairos (momento supremo) para a missão de Cristo que pode ser usado por Deus para abrir uma nova geração para a verdade que está somente em Cristo, conhecido tanto na encarnação como na relação, e não racionalmente sob o modernismo."

Quanto à alegada contribuição do pós-modernismo para a filosofia de "toda verdade é relativa," isso não é inteiramente correto. Downing aponta que "nenhum pensamento pós-modernista nega a realidade dos fatos. Em vez disso, o pós-modernismo debate a questão do imediatismo de nosso acesso aos fatos, sugerindo que os preconceitos, pressupostos e outras construções, culturalmente, colorem (mas não obscurecem) os vidros através dos quais vemos os fatos... "

Tal entendimento poderia tornar cristãos mais humildes, menos dogmáticos e mais sérios em seus esforços para conhecer o Senhor, pois poderiam mais adequadamente equilibrar fé e razão. Lembre-se de concessão de Paulo de que "Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido" (1 Cor. 13:12 KJV).

Por último, através da recuperação de uma epistemologia mais cristã, poderíamos abandonar o indivíduo autônomo e, em vez disso, corretamente nos integrarmos na comunidade dos crentes, que foi o convincente testemunho da Igreja do primeiro século.

Autor: S. Michael Craven é o Presidente do Center for Christ & Culture, Dallas, EUA.